Inauguração do Acervo Bibliográfico do Instituto Internacional para o Intercâmbio e Estudos Asiáticos

>> 20090825

Na imagem: Kirsty Sword Gusmão e A. Barbedo de Magalhães
(Foto © Uma Lulik | Margarida Az)
Síntese
"A Biblioteca da Faculdade de Engenharia do Porto passa a albergar cerca de 2500 obras sobre Timor Leste, a Indonésia e a Política Internacional relacionada com a questão Timorense. A inauguração do acervo decorre no dia 18 de Junho, pelas 11h00, e conta com a presença de Kirsty Sword Gusmão, presidente da ALOLA Foundation, Antoninho Baptista Alves, Director do Arquivo & Museu da Resistência Timorense, e representantes da Fundação Mário Soares [Alfredo Caldeira] e da Galp Energia [Fernando Gomes], entre outros. [...]" (site da Faculdade de Belas Artes | Universidade do Porto)

Na imagem: Professor A. Barbedo de Magalhães, Presidente do IASI; Professor Carlos Costa, Director da FEUP; Drª. Kirsty Sword Gusmão, ; Dr. Fernando Gomes, Administrador da GALP Energia; Antoninho Baptista Alves, "Hamar", Director do Arquivo & Museu da Resistência Timorense e; Dr.ª Ana Azevedo, Directora da Biblioteca da FEUP. (Foto © Uma Lulik | Margarida Az)


Discurso de

Kirsty Sword Gusmão *

pela altura da inauguração do Acervo Bibliográfico do IASI ** FEUP ***

Porto, 18 de Junho de 2009

"O papel da solidariedade portuguesa e da solidariedade australiana na luta pela autodeterminação e pela dignidade do Povo Timorense
É para mim um prazer e uma grande honra estar hoje aqui, na presença de um dos mais reverenciados e admirados amigos, o Professor António Barbedo de Magalhães, e na companhia dos estudantes da Universidade do Porto.

Os amigos de Timor-Leste e a sua aposta na autodeterminação são originários de muitas partes do mundo, incluindo Portugal e Austrália. No caso da Austrália, o principal alvo da nossa campanha pela justiça para o povo de Timor-Leste foi o nosso governo, e a sua cumplicidade na anexação e ocupação desde o princípio.

No caso de Portugal, sucessivos governos e o povo tinham um objectivo comum e ombreavam no seu objectivo de libertar Timor-Leste da opressão e ditadura. O movimento de solidariedade global uniu povos, comunidades e organizações de todo o mundo, fomentando amizades duradouras, parcerias e alianças, muitas delas intactas e florescentes ainda hoje.

A minha primeira visita a Portugal em 1995 aconteceu como resultado do meu envolvimento pessoal no movimento da resistência e deu origem a toda uma série de ligações, pessoais e organizacionais, que continuam a beneficiar-me e a Timor-Leste até hoje. O evento em que eu participei em 1995, em Lisboa, foi a Conferência Inter-Parlamentar sobre Timor -Leste, organizada pelo meu amigo António Barbedo de Magalhães.

Tal como a independência trouxe novos desafios ao povo e aos líderes de Timor-Leste, assim também ter amigos do país obriga a adaptar o seu apoio e intervenções a todo um conjunto de novas circunstâncias e necessidades. O meu marido tem dito, em muitas ocasiões ao longo dos últimos 10 anos, que a independência exige que o povo timorense desenvolva uma nova marca de patriotismo, uma melhor adequação às necessidades actuais do nosso país. Hoje em dia exigimos dos nossos amigos muito mais do que apenas paixão e indignação pelas injustiças sofridas no passado.

Precisamos de assistência concreta para o nosso processo de construção da nação sob a forma de assessoria técnica, formação e reforço das nossas instituições nacionais. Muitos de vós aqui presentes forneceram o apoio tão desesperadamente necessário, pelo qual vos agradeço em nome do povo do meu país de adopção. Desde a independência, alguns dos nossos amigos por todo o mundo convenceram-se de que as suas competências e orientação não combinavam com as nossas novas circunstâncias, e optaram por voltar a sua atenção para outras lutas nacionais pela paz e pela liberdade.

Infelizmente, muitas nações por todo o mundo ainda aspiram à libertação e nacionalidade alcançada pelo pequeno Timor-Leste e não faltam causas para apoiar.
Permitam-me, por um momento, focar-me na actualidade de Timor-Leste. Trata-se das realizações dos últimos 12 meses que eu gostaria de focar e partilhar convosco neste ponto. Como estou consciente de que, para alguns de vós, pelo menos, as últimas notícias que leram sobre Timor-Leste relatam histórias de turbulência, de raiva, de juventude descontente e toda uma litania de, aparentemente, irresolúveis problemas sociais.

No mês passado, Xanana, eu e os nossos filhos, juntamente com membros do Governo, funcionários públicos, jovens e crianças, fizemos uma marcha que começou no Palácio do Governo e terminou num parque no centro de Díli, em frente ao Hotel Timor, para celebrar a sua inauguração. Para aqueles de vós que estejam familiarizados com Díli, recordar-se-ão que este parque acolheu durante dois anos, a seguir à crise de 2006, muitas centenas de deslocados internos. Era um dos mais vergonhosos campos de IDP, com incidentes quase semanais, envolvendo jovens do campo que apedrejavam os transeuntes. Hoje, o parque denominado ‘Parque 5 de Maio’, é um belo e ajardinado local de diversões, com escorregas, baloiços e outros equipamentos para brincar, com recantos que convidam ao descanso e à reflexão. A transformação dum local evocativo de medo e conflitos numa zona de tranquilidade e recriação para as crianças e famílias é um símbolo das mais amplas mudanças e alterações ocorridas em Timor-Leste, que passa do conflito para a Paz e da Assistência de Emergência para o caminho do Desenvolvimento.

Em Timor-Leste, hoje, existe uma nova e crescente confiança pública nas nossas instituições democráticas.

Embora eu considere não ser minha função fazer a promoção do governo do meu marido, acho justo dizer que ele e os membros do 4º Governo Constitucional de Timor-Leste estão a fazer um bom trabalho. O país apresenta um crescimento sem precedentes de 12%, apesar da crise económica global, uma realização impressionante para um país que apenas tinha conhecido taxas de crescimento negativas ou muito baixas desde 2002. O Governo conseguiu executar mais do seu orçamento em um ano e meio do que a combinação de todos os governos ao longo dos cinco anos anteriores. Um sistema de acreditação das nossas instituições terciárias foi posto em prática e um plano de descentralização da administração do governo em todos os sectores tem sido gradualmente implementado. A formação de professores tem sido implementada a nível nacional e um programa escolar obrigatório de 9 anos foi anunciado. O Investimento em saúde, educação e agricultura duplicou em 2008.

Mas, o mais significativo de tudo tem sido a estabilidade do Governo para consolidar a Paz.

Agora, permitam-me voltar, por um minuto, ao assunto das mulheres e crianças em Timor-Leste uma vez que são a minha principal preocupação e paixão hoje em dia.
Existem enormes expectativas sobre as mulheres e as suas capacidades de contribuir para a vida económica e social das suas famílias e comunidades mas ainda não lhes são concedidos o reconhecimento e poder na vida pública e política. Desiguais relações de género, dentro da família, perpetuadas por valores tradicionais e patriarcais e costumes que contribuem também, significativamente, para a grande incidência de violência doméstica. Medo, falta de confiança no sistema judicial, falta de conhecimento dos direitos das vítimas e serviços de apoio limitados, tudo contribui para o facto de um largo número de casos de violência doméstica tendam a não ser divulgados. Tendo dito isto, a violência dentro de casa é hoje o mais reportado crime em Timor-Leste, representando aproximadamente 50% de todos os crimes que são alvo da atenção da nossa Força de Polícia Nacional. Eu fundei a Fundação Alola em Março de 2001com o objectivo de chamar a atenção local e internacional para os problemas da violência baseada no género em Timor-Leste. Entre outras coisas, a Fundação procura impulsionar a capacidade de um largo número de organizações de mulheres de aceder aos fundos e recursos que necessitam para responder às necessidades imediatas das mulheres na comunidade.

Como mãe de três filhos pequenos, tenho lutado contra a alta taxa de mortalidade materno-infantil, outra prioridade das minhas actividades. Como meio de apoio aos esforços do nosso Governo para melhorar a saúde das mães e crianças, fundei a Associação Nacional da Amamentação de Timor-Leste em Novembro de 2003. As vidas de um largo número de recém-nascidos podem ser salvas, todos os anos, se for praticada a amamentação exclusiva, uma vez que muitos deles morrem com má nutrição e infecções gastrointestinais causadas pela preparação de substitutos do leite materno em condições de insalubridade.

Como professora de formação e agora como Embaixadora da Boa-Vontade para a Educação, tenho dado particular atenção ao sector da educação no nosso país, em particular no que toca à participação das raparigas na escolaridade. Infelizmente, devido a pressões económicas e culturais, uma larga percentagem de raparigas não completam a escolaridade secundária. O programa de bolsas de estudo da Fundação Alola já apoiou centenas de jovens mulheres, por todo o país, para obterem uma educação básica e, portanto, competirem em pé de igualdade, com os homens, no mercado de trabalho e em lugares de educação superior.

Constitui uma grande preocupação minha e do nosso Ministro da Educação a qualidade dos serviços de educação que são prestados aos nossos jovens, que são a grande parte da população de Timor-Leste. Juntamente com o problema de infra-estruturas e recursos de ensino inadequados, enfrentamos um enorme desafio na capacitação dos nossos professores. Aproximadamente 85% dos nossos professores não têm formação ou qualificação formais, foram recrutados à pressa em 2000, para preencher o vazio deixado pelo êxodo no final de 1999 da maioria dos professores de origem indonésia. A complexidade da nossa realidade linguística também constitui um enorme impedimento para que as nossas crianças obtenham óptimos rendimentos educacionais. A nossa Constituição define o Português e o Tétum como as duas línguas oficiais da nossa nação, e ainda só uma pequena percentagem da nossa população, incluindo os nossos professores, fala, lê e escreve bem um destes idiomas. Para a maioria das crianças de Timor-Leste, o Português é a terceira ou quarta língua, e embora o desejo de aprender Português seja enorme entre os nossos professores e jovens, a realidade é que levará talvez uma geração para que a língua de Camões se enraíze na nossa sociedade e nas nossas escolas. Pela primeira vez na história o nosso povo está a ser encorajado a escrever e ler na sua língua nacional, Tétum. Uma ortografia normalizada para o Tétum tem sido desenvolvida pelo nosso Instituto Nacional de Linguística, mas os nossos jornalistas, professores, funcionários públicos e estudantes só agora estão a começar a aplicá-la.

Existe uma falta de recursos escolares de toda a espécie, mas particularmente trágica, a meu ver, é a escassez de materiais de leitura para jovens, em Tétum, a língua franca entre as nossas 16 línguas nacionais. Variadas instituições, principalmente em Portugal e na Austrália, estão a ajudar-nos a resolver esta situação, com currículos e textos relacionados e manuais de ensino desenvolvidos nos seus países para as nossas escolas primárias e secundárias e um conjunto de leituras para os alunos da pré-primária publicadas na Austrália pelo Instituto Mary MacKillop. Em Janeiro passado, a Fundação Alola publicou uma edição traduzida para Tétum do livro infantil, da famosa autora Australiana, Mem Fox, “Quem quer que sejas”. É nosso objectivo publicar pelo menos um título em cada ano, incluindo algumas edições bilingues de Tétum-Português. Os membros da nossa equipa do Programa de Educação conduzem acções de formação com professores de todo o país ensinando a ler para crianças e a usar livros na sala de aula. Mas, ainda temos um longo caminho a percorrer até que as nossas crianças e jovens tenham acesso a toda a gama de materiais de leitura e de aprendizagem que eles necessitam para fomentar uma cultura de leitura, para abrir os seus olhos para o mundo à sua volta e para melhorar drasticamente a qualidade da sua experiência educacional. Isto é vital se quisermos atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénium com a inscrição universal em e conclusão da escolaridade primária até 2015.

Como Australiana de nascimento, preocupa-me que estes problemas da língua, escolhas de língua e desenvolvimento da língua parece ter conduzido a uma clivagem entre Austrália e Portugal, pelo menos no que diz respeito às relações e cooperação com Timor-Leste. A Austrália é frequentemente entendida como querendo impor a língua Inglesa em Timor-Leste e a verdade é que muitos australianos, na sua ignorância sobre a importância do legado do Português em termos culturais, históricos e linguísticos para o nosso povo, questionam a escolha do Português como língua oficial. Contudo, como dois dos mais importantes parceiros de Timor-Leste, as duas nações beneficiarão se abandonarem este debate e explorarem vias em que ambos possam cooperar mais eficazmente em direcção à conquista daquilo que é o nosso objectivo e sonho comum para Timor-Leste: uma vida de dignidade e verdadeira independência para o seu povo.

Obrigada."

_____________

* Drª. Kirsty Sword Gusmão, fundadora e presidente da Fundação Alola, Embaixadora de Timor para a Educação, presidente da Comissão Nacional da UNESCO de Timor-Leste, activista e defensora de Timor-Leste, companheira e mulher de Kai Rala Xanana Gusmão.

** International Institute for Asian Studies and Interchange/ Instituto Internacional para o Intercâmbio e Estudos Asiáticos

*** Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

...

1 comentários:

Anónimo,  quinta-feira, 27 de agosto de 2009 às 01:11:00 WEST  

Quanto a questão do desenvolvimento do português em Timor-Leste sugeriria que se funda-se uma pequena vila (nas montanhas, presumo) onde fosse habitada por timorenses que se dispusessem a falar a lígua de Camões juntamente com seus filhos. Este núcleo poderia servir de centro de referência do português para a Ásia, atraindo chineses de Macau e australianos que quisessem fazer uma "imersão" na língua portuguesa. Esta iniciativa vinculada ao turismo poderia, penso eu, dar bons frutos.
Um abraço
Alfredo
Br

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