Sessão de Encerramento do Diálogo Internacional de Díli. “Construção da Paz e Construção dos Estados”

>> 20100411


REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

DISCURSO DE
SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTRO
KAY RALA XANANA GUSMÃO

POR OCASIÃO DA SESSÃO DE ENCERRAMENTO
DO DIÁLOGO INTERNACIONAL DE DÍLI

“Construção da Paz e Construção dos Estados”

Díli
10 de Abril de 2010


Excelências

Senhoras e senhores,

Hoje é um dia histórico para Timor-Leste.

Temos vindo a escrever páginas da História de Timor-Leste desde que iniciámos a nossa luta pela auto-determinação e liberdade. Temos vindo a descrever crónicas de massacres e actos heróicos, histórias de luta, sofrimento e conflito, mas também histórias de vitórias e sucessos - enaltecendo a forma como o nosso Povo conquistou o seu direito à Independência.

Estas são páginas de história escritas com sangue, mas também com esperança, com coragem e com orgulho. São páginas com entrelinhas de avanços e retrocessos, erros e lições aprendidas, conflitos e recuperação.

E, hoje, senhoras e senhores, juntámos a nossa história à de outros países com um passado comum e testemunhámos que não estamos sós nos nossos esforços de construção da Paz e do Estado.

Unimos numa só voz as vozes de vários países em situações de fragilidade idênticas, e as de países parceiros empenhados a acompanharem-nos nos nossos grandes desafios. Nas palavras do Ministro Kamitatu, passámos de um monólogo para um diálogo.

Acolher em Timor-Leste o Diálogo Internacional sobre a Construção da Paz e a Construção dos Estados, que ficará para sempre marcado pela Declaração de Díli, não só enche o nosso país de orgulho, como de uma profunda emoção.

Agradeço a todos vós, senhoras e senhoras, a honra que nos foi dada em acolher a primeira reunião formal desta natureza.


Excelências

Senhoras e senhores,

Pessoalmente, sinto-me inspirado e encorajado pelas contribuições tão enriquecedoras que surgiram deste diálogo. Sinto-me também humilde…

Pode ser fácil respirar de alívio quando se atingem alguns sinais de progresso e de estabilidade, porque não se torna muito difícil, em tempos de paz, esquecermo-nos das agruras da guerra. Talvez esta seja uma das razões do ressurgimento de conflitos, porque a condição humana faz-nos querer apagar da memória os difíceis tempos de sofrimento e avançar muito rapidamente para o progresso.

Neste processo, ficam, muitas vezes, passos essenciais por dar. Ao querermos dar o salto rapidamente, esquecemo-nos muitas vezes das raízes dos problemas, aceleramos os processos de cura das feridas que nunca chegaram a sarar e, achamos que a reconciliação é possível em meia dúzia de anos apenas.

É por esta razão que me apraz constatar que o acordo comum estabelecido pelos Estados frágeis e pelos Parceiros de Desenvolvimento refere a necessidade de uma abordagem a longo prazo nos processos de construção da Paz e dos Estados. Este acordo está também devidamente reflectido na Declaração de Díli.


Senhoras e senhores,

A complexidade intrínseca dos factores que condicionam os países em conflito ou pósconflito é de tal ordem, como vimos nos testemunhos aqui deixados, que se torna impossível querer abordar todos os problemas ao mesmo tempo. Aprendemos também que não respeitar os tempos necessários para se resolverem as dificuldades pode ser fatal e levar ao ressurgimento dos conflitos.

Por outro lado, se os países doadores deixam de prestar assistência continuada aos primeiros sinais de melhoria na estabilidade e quando surgem alguns sinais de progresso económico e social, isto cria um vácuo nos processos e programas iniciados, o que conduz em última instância ao fracasso da sua implementação.

É absolutamente necessário, portanto, respeitar os tempos e as circunstâncias próprios de cada sociedade. É este o nosso verdadeiro desafio, uma vez que não existem duas culturas ou circunstâncias idênticas.

É no entanto verdade que toda e qualquer sociedade e todo e qualquer Povo consideram a Paz um bem precioso. O ser humano, como indivíduo ou como colectivo, almeja a Paz, factor primordial para o seu dia-a-dia.

Infelizmente, tal como muitos de nós sabemos, é muito mais fácil entrar em conflitos do que sair deles. É mais fácil fazer a guerra do que fazer a Paz.

A guerra concentra todas as nossas energias e todos os nossos esforços num só objectivo: aniquilar o inimigo. Já a Paz exige consensos e reconciliação, exige a integração de aspirações de muitos no desenvolvimento de uma visão a longo prazo comum – e na sua implementação.

A Paz exige ainda sacrifícios, colocando os interesses colectivos acima dos interesses individuais. A Paz requer paciência, capacidade para perdoar e confiança. Mais importante ainda, a Paz requer uma liderança forte e compassiva.

Talvez seja por isso mesmo que existem tão poucas pessoas excepcionais reconhecidas pelo mundo como pioneiras da Paz.

Porém, e conforme o Presidente Ramos-Horta disse de forma tão eloquente neste Diálogo, a construção da Paz requer também que os líderes não estejam desligados dos seus Povos. E acreditem, senhoras e senhores, que o Presidente Ramos-Horta embora seja um viajante do mundo, é em primeiro lugar muito próximo do nosso Povo, atento aos receios, sonhos e aspirações do nosso Povo.


Senhoras e senhores,

Tal como alguns aqui, eu posso falar por experiência própria. É mais difícil liderar em tempos de guerra do que em tempos de paz. Eu passei por isto. Vivi muitos anos convencido de que não poderia conhecer momentos mais angustiantes do que liderar um Povo na guerra. Porém, quando me foi colocado o desafio de ser o Primeiro Presidente da República de um país traumatizado pela guerra, percebi que o grande desafio seria construir a Paz, e subsequentemente construir a nação.

Envolver todo um Povo marcado pelo conflito na procura da Paz é mais difícil que conseguir a união em tempos de conflito. Conforme sabemos, são tantas as expectativas legítimas de quem lutou tantos anos pelos ideais de liberdade, igualdade e desenvolvimento, que podemos afirmar que o atingir da paz verdadeira significa também libertar o povo da pobreza.


Senhoras e senhores,

Este é também o desafio que se coloca à construção de um Estado, processo este que está inter-relacionado com a construção da Paz. Como as duas faces da mesma moeda, é importante que o auxílio internacional de emergência não termine quando parece que a paz chegou, bem como que percebamos que a construção da Paz é consolidada quando a construção do Estado é forte.

Deste modo, devemos perguntar-nos como se dá o poder a um Povo que nunca soube o que é o poder? Como se constrói um Estado democrático, com a participação de todos, quando o Povo nunca soube o que significa ser livre da miséria, da fome, da ignorância, da doença?

Nas nossas sociedades pobres as pessoas ainda se matam umas às outras para sobreviver, pelo simples acesso a água, alimentos, terras, educação e cuidados de saúde.

Deste modo, será talvez mais fácil para nós compreendermos as razões pelas quais as pessoas também matam para terem acesso ao poder político e para estarem mais perto do centro de decisões, em especial em países com recursos naturais valiosos.

Um objectivo deste Diálogo consiste em encontrar melhores soluções e partilhar melhores práticas para lidar com estes problemas. E ainda que neste Diálogo não consigamos resolver todos os problemas que afectam os Estados frágeis, ao menos teremos dado mais um passo rumo a acções concretas.

Tal como discutimos, a construção de Estados significa uma transição não só para os países como também para os seus Povos. Pode significar transformar milícias, ou guerrilheiros, em soldados de forças convencionais; transformar jovens que não tiveram infância em adultos responsáveis; transformar obstinados activistas da resistência em jornalistas profissionais; e transformar, os líderes de uma luta em titulares de cargos políticos com maturidade.


Senhoras e senhores,

Muitos dos casos apresentados neste Diálogo demonstram que não podemos subestimar os desafios, em especial quando os pilares que sustentam o Estado escondem as suas debilidades inerentes.

Um exemplo que nos entristece profundamente em Timor-Leste é o caso da Guiné-Bissau.

A conquista da independência por parte deste país inspirou o nosso Povo na sua luta. A agitação vivida neste país é algo que nos toca profundamente, e gostaria de expressar aqui toda a nossa solidariedade pelos nossos irmãos e irmãs nesta nação africana.

A Guiné-Bissau recebeu enormes quantidades de assistência internacional tendo em conta a dimensão da sua economia nacional, todavia continua a sentir muitas dificuldades. Deste modo, podemos concluir que esta assistência não deve ter sido apropriada às reais circunstâncias.


Senhoras e senhores,

É por isso que todos os países do g7+ sublinharam a importância de todos compreenderem a necessidade de cada um destes países, cada qual ao seu ritmo, ter um período de transição.

Tal como a Sra. Bella Bird comentou de forma sábia neste Diálogo, a transição da fragilidade para uma situação mais estável requer uma abordagem equilibrada e flexível. Este equilíbrio exige que as nações frágeis e os parceiros de desenvolvimento sejam suficientemente ágeis para responder às situações emergentes passíveis de ameaçar a recuperação, ao mesmo tempo que continuam a dar resposta às causas subjacentes contínuas dos conflitos.

A vida é um processo de aquisição de conhecimentos, de aprender com as experiências e de seguir os nossos sonhos e as nossas visões. A vida dos cidadãos em países frágeis está longe de ser fácil – não só é uma luta constante pela sobrevivência, como também a interiorização de conceitos e valores totalmente novos constitui-se como um grande desafio.

A estrada da democracia e do desenvolvimento não conhece atalhos. É necessário percorrer o caminho mais árduo para transformar as mentalidades e conseguir a inclusão social.

É por isto que os países do g7+ solicitaram aos nossos amigos, os parceiros de desenvolvimento, que se ponham no nosso lugar e entendam as nossas condições e as nossas necessidades. Assim será mais fácil caminharmos, em conjunto, rumo ao nosso objectivo comum de alargar a paz e a prosperidade, sendo que com os nossos progressos será também possível concretizar as expectativas e as visões dos países doadores.

A Declaração de Díli enche-me de esperança e de confiança. Ambos, os parceiros de desenvolvimento e os Estados frágeis, reconheceram que podemos fazer melhor se reforçarmos o nosso objectivo comum. Ficámos encorajados pela proposta em desenvolver um plano de acção e pela determinação para dar passos imediatos para corrigir questões preocupantes na provisão de assistência ao desenvolvimento.

A Declaração de Díli prometeu ainda um forte apoio à institucionalização do grupo g7+ enquanto fórum permanente para unir Estados frágeis, num espírito de solidariedade e amizade, e para permitir uma melhor preparação nas discussões internacionais com os parceiros de desenvolvimento. Gostaria de agradecer à Austrália por hoje se ter oferecido a apoiar financeiramente este órgão, tendo esperança que outros países se juntem neste esforço.

É ainda com muito agrado que vejo a nossa própria Ministra Emília Pires, a suceder a liderança inspiradora do Ministro Sr. Kamitatu, como próxima co-presidente do diálogo internacional. Isto é não só uma razão de orgulho para Timor-Leste, como também um símbolo da responsabilidade que desejamos imprimir a este processo.

Este diálogo faz parte de um processo contínuo, e apraz-me saber que a Declaração de Díli irá orientar e informar a comunidade internacional no seu trabalho futuro.

E, espero também, senhoras e senhores, que a sugestão feita hoje se torne realidade, e que Díli passe a ser um centro para conferências internacionais e conferências das Nações Unidas.


Senhoras e senhores,

Precisamos aprender com as lições do nosso passado e permanecer vigilantes e determinados na nossa missão de evitar violência política e conflitos.

Caminhar lado a lado dá-nos força em prol desta missão.

Caminhando lado a lado, os Estados frágeis e os seus parceiros de desenvolvimento podem minimizar o sofrimento que resulta dos conflitos e da pobreza extrema.

Trabalhemos todos em conjunto para levar a esperança e a confiança aos nossos Povos, bem como para desenvolver uma visão a longo prazo relativamente à construção da Paz e à construção do Estado para as nossas nações frágeis.

Este é um voto de esperança para que não caiam mais lágrimas de conflito na neve dos majestosos Himalaias do Nepal; para que não hajam mais manchas de sangue nos resplandecentes diamantes da Serra Leoa; para que a alma do povo da República Democrática do Congo reflicta a riqueza das sua terra mãe; para que o Povo do Sul do Sudão concretize a sua auto-realização; para que seja possível construir “pontes” de paz entre as muitas ilhas do arquipélago das Ilhas Salomão; e para que todas as nossas nações frágeis possam atingir a paz e o desenvolvimento.


Muito obrigado.

Kay Rala Xanana Gusmão

10 de Abril de 2010

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